SEVEN CROSSROADS

Um Walkshop Ramble berlinense
2019



Nós vibramos, portanto, somos.
O que importa é o rito.

1. Bem-vindo a Xberg. Antes de começarmos, caminhe 7 passos em qualquer direção e fique parado por um momento. Não temos pressa de chegar a lugar algum. Vagar é outra maneira de experimentar um lugar. Comece a vagar, ou seja, evite caminhar em linhas retas. O que significa estar neste lugar? O que significa estar em uma encruzilhada?

2. Agora, olhe em volta e escolha uma direção. Comece imediatamente a caminhar, lentamente, em qualquer direção longe de seu ponto de partida. Não importa se você já esteve aqui antes, não importa de onde você venha. Caminhe em silêncio por um tempo e observe como seu corpo se move, sem rumo. Quanto sua coluna vertebral se dobra? Ancas: elas balançam? Braços: eles balançam? Se você se encontra em um espaço familiar, opte por ruas menos conhecidas. Pode ser difícil, mas tente se perder. Você pode andar em círculos, repetir os caminhos. O importante agora é permanecer em movimento. Você já pensou em como seu pensamento é afetado pelo fato de que seu corpo está em repouso ou em movimento? Os pensamentos que lhe vêm à mente quando você está sentado são diferentes daqueles que você tem quando está de pé? Onde você normalmente tem mais idéias: no chuveiro em casa ou no beco, nas ruas e estações de metrô?

3. Pare no primeiro cruzamento ao qual você chegar e peça a Exu o direito de passagem. Também conhecido como Aluvaiá para o povo Bantu ou Legbá para o povo Fon, o deus sincrético latino-americano Exu é o habitante da encruzilhada. Para abrir os caminhos e começar a trabalhar, deixe uma oferenda, um presente, um Ebó. Encante o chão, dando-lhe algo para comer ou beber.

4. "As encruzilhadas são lugares de encanto para todos os povos". Será? Vamos supor que sim, só por um tempo. Como tal, são lugares de desconfiança, dúvida e desorientação e, portanto, expressivos de poderosas irrelevâncias. A encruzilhada se torna uma perspectiva necessária na tentativa de enganar a morte desencantada pelo colonialismo, a morte como desencanto, fardo brutal e assombroso. No Atlântico Sul, a cruz cristã foi transformada em encruzilhada, o local das travessias, passagem. Nas margens da modernidade, as encruzilhadas são lugares da recusa do projeto colonial. Agora, espere um minuto. Segure as chaves de sua casa enquanto você observa o que acontece por aqui. Não se mova até que algo inesperado ocorra.

5. Quanto tempo em sua vida você já passou olhando para estranhos na rua? Você consegue encontrar silêncio em uma rua cheia de pessoas? Há 2,4 milhões de ratos em Berlim, e quem sabe quantos deles vivem em Xberg? Tomando banho à noite no Paul-Linke-Ufer. Você consegue ouvi-los? Agora: Se você tem um aparelho de áudio, ouça algum blues ou um samba. Se não, melhor ainda, basta cantar ou assobiar uma canção de cor. Vamos lá, mais alto.

6. Talvez encruzilhadas sejam os museus sincréticos de todas as culturas despojadas de sua herança. Culturas forçadas a migrar após serem desterritorializadas, mas insistindo em praticar seus ritos em outros solos igualmente contaminados, tóxicos e famintos. As encruzilhadas são os vasos imateriais onde diversas narrativas e histórias se encontram, colidem e potencialmente trocam forças vitais, atualizando-se sob a forma de sussurros, canções, oferendas. Enfim: Fale com a rua. Escolha - ou deixe-se escolher por - um transeunte. Talvez você precise fazer um acordo com essa pessoa. Talvez seja um acordo econômico.

7. Deixe a encruzilhada uma vez que o trabalho esteja feito. Saia, virando a primeira rua à esquerda. Procure jamais andar novamente pelas mesmas encruzilhadas. A primeira experiência de vagar a pé foi realizada no verão de 2018 na região antropogênica do Harz, Alemanha, sob o título "Doze passos e um buraco no vale". Comissionado pela Universidade de Hildesheim, o walkshop foi criado pela artista Barbara Marcel em colaboração com o geógrafo Andreas Döpke e tinha como objetivo reunir estudantes de várias disciplinas na paisagem histórica e cultural do Harz ocidental, para refletir sobre falsas dicotomias como natureza-cultura e rural-urbano. Através de uma combinação de experimentos de caminhadas coletivas e individuais, o Sítio de Patrimônio Mundial foi transformado em uma estação temporária e dinâmica para a imaginação decolonial colaborativa de paisagens passadas e futuras. Como uma nova iteração do projeto Walkshop Ramble, a peça aqui impressa tem uma forma híbrida, uma mistura de partitura musical, áudioguia e assobio, inspirada no livro A Ciência Encantada das Macumbas (2018), dos macumbeiros brasileiros Luiz Antonio Simas e Luiz Rufino. Respondendo a um convite para contribuir com o primeiro número de The Endotic Reader, Barbara Marcel propõe um novo experimento de passeio, sugerindo uma reticulação de conhecimentos que, embora não tão evidentes, também habitam a cidade de Berlim.














© 2021 Barbara Marcel